Seg, 02 Jun, 07h09
Por Denise Luna - Reuters
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Patinho feio dos leilões de energia até agora, o bagaço de cana poderá ganhar status de estrela na geração de energia no final deste século, já que a cana-de-açúcar será a única fonte energética no Brasil que não sofrerá impactos com o aquecimento global.
Por outro lado, a energia eólica deve ficar restrita ao litoral e as hidrelétricas vão produzir menos do que hoje por redução das chuvas, assim como a soja deverá migrar para o Sul em busca de clima mais favorável.
Estas e outras conclusões estão no estudo encomendado pelo Reino Unido através do Global Opportunity Fund a professores e pesquisadores da Coppe, instituto de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, liderados por Roberto Schaeffer e Alexandre Salem Szklo, para avaliar o impacto das mudanças climáticas no sistema energético brasileiro no período 2071 a 2100.
"Trata-se basicamente de entender como o sistema energético brasileiro planejado para 2030 reagiria às novas condições climáticas projetadas para o período que vai de 2071 a 2100", explica em sua introdução o trabalho que levou oito meses para ficar pronto.
A vulnerabilidade encontrada, segundo Roberto Schaeffer, acende uma luz amarela em alguns programas do governo e investimentos privados, que deveriam ser repensados.
"O que o estudo chama a atenção é de que não adianta pensar mais em desenvolvimento do Brasil ou apostar fundo em certas regiões se você não começar a olhar a vulnerabilidade delas às mudanças climáticas, pode ser maior ou menor, mas provavelmente o futuro será pior do que hoje", explicou Roberto Schaeffer à Reuters.
Ele citou projetos hidrelétricos na Amazônia, que estão sendo apontados como a solução para o país --rio Madeira, Belo Monte-- como exemplo de uma possível frustração futura diante das mudanças climáticas.
"Há tendência da Amazônia savanizar, ou seja, ficar mais seca, e o Nordeste que já é semi-árido vai ficar mais árido", afirmou.
Nem os ventos escapam das mudanças no clima, segundo o estudo, apontando para uma tendência de migração da produção eólica do interior para o litoral, limitando o crescimento dessa indústria.
"O Brasil tem potencial eólico muito grande, mas muito disperso. A gente mostra (no estudo) que esse potencial grande acaba e fica muito concentrado na costa, vamos ter ventos 30 a 60 por cento menores do que temos hoje", informou.
Outro problema será enfrentado pelas culturas de soja e outras oleaginosas usadas para a produção de biodiesel, que terão que buscar o Sul do país se quiserem continuar existindo.
"Um programa de biodiesel, por exemplo, que era pensado em questões familiares, pequenas propriedades, é uma questão que não dá para assinar em baixo ainda, mas a vulnerabilidade é muito grande e os estudos estão apontando que dendê, soja, mamona etc não vão nascer no Nordeste", afirmou.
Já a cana ganharia mais áreas para ser plantada, por gostar de calor, e o bagaço, hoje praticamente desprezado para gerar energia, poderia compensar as perdas hidrelétricas.
"O bagaço pode assumir um papel importante que ele não tem hoje", afirmou.
VELHO CHICO
Com menos chuvas devido ao aquecimento do planeta, a transposição do rio São Francisco também pode ser considerado um projeto arriscado pela tendência de queda hidrológica.
"Em todas as bacias hidroelétricas brasileiras sempre a geração de eletricidade vai ficar pior e com o passar do tempo não vai melhorar", disse Schaeffer.
"O Nordeste que hoje já é pobre em chuva vai ficar mais pobre, e a Amazônia que hoje é rica em chuva vai ficar mais seca, o que vai ser favorável para algumas culturas de um lado, mas vai reduzir a produção das hidrelétricas", complementou.
Em cálculos conservadores, que serão revistos ao longo dos próximos 12 meses em uma versão mais sofisticada do estudo pelo próprio grupo, a bacia do São Francisco é a que apresenta maior queda de vazão média anual, ou seja, a que terá menos água para mandar para suas usinas.
A vazão da bacia do São Francisco registraria queda de 23,4 por cento no cenário mais otimista e de 26,4 por cento no mais pessimista, enquanto na bacia do rio Paraná as previsões de queda ficam em 2,4 e 8,2 por cento, respectivamente.
Se confirmadas as quedas, o total da energia média gerada pelas hidrelétricas brasileiras cairia 1 por cento no cenário otimista e 2,2 por cento no mais pessimista.
"A gente sabe que o número é muito conservador...mas o modelo trabalha com médias, e por isso é melhor não se fixar em número, mas a tendência é de que vai piorar, o que faz com que estudos mais sofisticados sejam feitos para saber o quanto vai piorar", disse o acadêmico.
Ele explicou que na próxima fase do estudo já deverá contar com uma avaliação de quanto custa para tentar minimizar o impacto climático na economia e quanto custa não fazer nada.
"Esse estudo mostra que nada é um assunto fechado, que tudo tem que ser melhor estudado, e como o Brasil depende muito de fontes renováveis de energia a vulnerabilidade é maior e por isso mais uma razão para o Brasil começar a se precocupar com isso", finalizou.